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Dia 08 de maio de 2016

“ANTES DO PAI NA FÉ, DUAS MÃES”


    Desde que conheci o texto de 2 Timóteo 1.5, ele não pode ser esquecido por mim. Nele, Paulo diz, “Recordo-me da sua fé não fingida, que primeiro habitou em sua avó Lóide e em sua mãe, Eunice, e estou convencido de que também habita em você.”. Não há muitos detalhes sobre a vida de Timóteo, mas Atos 16.1 nos diz que o pai era grego e a mãe uma “judia convertida”, significando que ele havia sido instruído no Antigo Testamento e também na fé cristã. E isso também da parte da sua avó. E você sabe, “vó é mãe duas vezes” (quem nunca ouviu isso...).
    A razão de este texto ficar marcado na minha mente é a paixão que tenho pelo conceito de “legado”. O dicionário define legado como “1 Disposição, a título gracioso, por via da qual uma pessoa confia a outra, em testamento, um determinado benefício, de natureza patrimonial; doação "causa-mortis". 2 Parte da herança deixada pelo testador a quem não seja herdeiro por disposição testamentária nem fideicomissário. 3 Na Roma antiga, comandante de uma legião. L. cultural: língua, costumes e tradições, que passam de uma a outra geração.”. Neste caso, a última parte é a que mais se aplica. Em resumo, a fé cristã que se passa à outra geração. De preferência, à próxima. Antes de continuarmos, é claro que não posso passar minha fé como quem passa uma herança em dinheiro. Fé cristã, piedade, amor a Deus não são coisas. É algo imaterial que passo por outros meios.
    Essa paixão veio de duas fontes: dos fatos da Palavra de Deus e dos fatos que observei na vida de pessoas próximas. Primeiro e mais relevante, a Palavra de Deus nos confronta com radicais mudanças espirituais de uma geração para outra. Filhos de Eli, de Samuel, de alguns dos bons e fiéis reis de Judá eram uma vergonha para seus pais. Infiéis, pecadores contumazes, ímpios mesmo. A advertência de Moisés para que os pais (homens) transmitissem aos seus filhos o conhecimento e o temor a Deus (Dt 6.1-9) deixa claro que isso não era algo sem importância. Segundo, depois de mais de três décadas de vida cristã e vida com cristãos, não é difícil perceber que em muitos casos as lições do Antigo Testamento estão sendo ignoradas ou, pelo menos, mal compreendidas. Mas, também, que em muitos outros casos que presenciei, o legado é real, existe e é possível!
    Retornando ao legado de Timóteo, o texto mencionado por Paulo é completado pelo texto de 3.15 “Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus.”. Lóide e Eunice haviam investido na vida do pequeno Timóteo. Elas não tinham uma profecia sobre o futuro, nem bola de cristal. Mas, como judias, haviam aprendido com a história do seu povo que a ruína deles começou na ignorância e desobediência para com a Palavra de Deus (Os 4.6), o que os fez esquecer do Deus dos seus antepassados. Não havia legado. Não havia continuidade de relacionamento com Deus. Esta avó e esta mãe resolveram dizer, “Não se repetirá isso se depender de mim!”; resolveram crer no que diz o Salmo 78.3-4 “o que ouvimos e aprendemos, o que nossos pais nos contaram. Não os esconderemos dos nossos filhos; contaremos à próxima geração os louváveis feitos do Senhor, o seu poder e as maravilhas que fez.” (confira de 1-8). Mesmo que o resultado final seja de Deus, no caso dessas duas mães, temos Timóteo. O papel delas foi fundamental e isso é destacado pelo apóstolo Paulo.
    A história está repleta de mulheres assim. Seus maridos e filhos podem ser os grandes nomes do cristianismo. E realmente eram. Mas, nos diários e memórias dos seus filhos (e mesmo dos maridos) está registrado o papel fundamental de Susanna Wesley (mãe de John Wesley) e de Sarah Edwards (esposa de Jonathan Edwards), para citar duas apenas. Enquanto seus maridos dividiam seu ministério entre a casa e o mundo todo, elas complementavam o investimento espiritual em seus lares. As Escrituras eram lidas e aprendidas. A doutrina ensinada e aplicada. A firmeza espiritual era conferida e desafiada. E algo que mais nos surpreende é sermos uma geração que não consegue criar poucos filhos na “a instrução e o conselho do Senhor” (Ef 6.4) enquanto Sarah teve onze filhos e Suzana teve dezenove! A razão? Penso ser nossos projetos concorrentes. “Outras coisas” que tomam a prioridade que mães e também pais devem ter na sua vida; neste caso, o legado na vida dos seus filhos.
    Neste dia das mães, em lugar de uma homenagem melosa e (muitas vezes) desproporcional prefiro fazer uma exortação. Sejam mães dignas de uma nota de citação de alguém como Paulo. Sejam mães que marquem aqueles que irão marcar a história de pessoas e, até, de nações. Sejam pecadores remidas e piedosas, simples e fiéis, humildes e firmes. Sejam este tipo de presente na vida dos seus filhos.
    Feliz todo dia, mães piedosas.

Dia 29 de maio de 2016

“A EMOÇÃO QUE VEM DA RAZÃO.”


    João 4. 23 “No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura.
    As oportunidades me levaram para o trabalho com o louvor desde uma tenra idade. Tenho uma foto em algum lugar, na qual tenho um belo topete, quase nenhum pelo no rosto, mas já tinha um violão nos braços e uma roda de amigos/irmãos ao redor. Nunca me encantei muito com a música secular. Minhas “ambições” sempre foram aprender “aquele” louvor.
    Logo, fui me envolvendo com grupos e, finalmente, sem muito planejamento, juntamos amigos para tocar. Lá se foram vários anos de igreja em igreja e evento em evento. 
    Digo isso apenas apara ambientar que não estou falando de fora: sou músico envolvido com adoração congregacional e em apresentações há mais de duas décadas. Vi o melhor e o pior. E vi a música cristã virar evangélica e, depois, virar “góshpeu” (me recuso a escrever “Gospel”, pois esta linda palavra em inglês significa o Evangelho santo do nosso Senhor Jesus).
    Hoje, precisamos lutar para não cair em dois extremos. Os quais, de certa forma, podem ser tirados do texto supracitado.
Primeiro, o ideia distorcida do que seja “adorar no espírito”. Anos atrás, em busca de mais liberdade e significado pessoal, o louvor congregacional passou por adjetivos como “livre”, “espontâneo” e “extravagante”. Sendo que no final, em muitos casos, acabou se tornando “esquisito”. Uma forte influência existencialista com pitadas de pós-modernismo fez um louvor onde o “sentir” estava acima de todas as coisas. Bem como a obrigatoriedade de se aceitar o que quer que as pessoas fizessem. Afinal, era o “mover do Espírito”.
    Segundo, a também distorcida ideia oposta de “culto em ordem e decência”. O formalismo se transformou na tradução de espiritualidade. O espectro vai desde a proibição de palmas até mesmo de instrumentos. Claro que há variações mais suaves. Mas, mesmo nelas, as músicas se tornam cada vez mais apenas um tópico, uma parte do culto, pela qual se passa quase batido, sem nenhum efeito sobre nossas vidas.
    Repare que, igual à primeira noção, nenhuma das duas estão erradas. A questão é a palavrinha “distorcida”. E os dois extremos estão. 
    Os erros começam no papel, na ordem e na origem da emoção na adoração. Ela nunca pode vir de arranjos ou tons musicais, nem mesmo de ritmos e manipulações do dirigente. Emoções assim são calorias vazias, sentimentos superficiais, iguais aos gerados pelo entretenimento. Às vezes, até viciantes porque os dependentes precisam de doses regulares e cada vez maiores.
    Mas, emoções são erradas, então? Antes de responder, vamos a outra parte onde o erro continua: as letras! O centro da adoração no Antigo Testamento estava nas letras. A prova disso é que, apesar do esmero com os músicos e os instrumentos, Deus preservou as letras dos cânticos no livro de Salmos, mas não preservou as melodias. E, Ele é Deus; Ele poderia ser quisesse, não é? Assim, as letras cumpriam o propósito muito mais em relação a quem cantava do que para Quem se cantava. Deus sabe de todas aquelas coisas! Nós, finitos humanos, é que precisamos ser lembrados vez após vez que “a Sua fidelidade dura para sempre”.  Mas, as letras perderam seu norte em Deus. Desde o final da década de 50, A. W. Tozer já dizia que as letras estavam se tornando mais a respeito das pessoas, do que a respeito de Deus. E ele se referia às letras de músicas ditas cristãs! Começou uma paulatina mudança do teocentrismo para o antropocentrismo. De ter Deus no centro para ter o Homem no centro. De novo, aquele existencialismo esteve fazendo-se presente.
    O ego humano agradeceu. Somos extremamente voláteis ao elogio e ao agrado. E tal não é diferente mesmo quando somos “religiosos”. Músicas que nos elevam pela letra ou mesmo pela música nos agradam e precisamos reconhecer isso. O arrepio e a emoção vazia viciam. 
    Retornando à emoção, vamos voltar à pergunta. A resposta é não, emoções não são erradas. No Salmo 66.6, o compositor diz que “e ali nos alegramos nele”. Ele se referia à travessia do Mar Vermelho. A emoção vem pela compreensão e testemunho das ações de Deus. Isso pode ser em primeira mão (como no texto) ou apenas a lembrança daquilo que Deus tem feito. O ponto aqui é que a emoção verdadeiramente adoradora vem de constatações que temos pelo Espírito de Deus quanto ao que Deus é ou o que Deus faz (ou fez)
    O coração que se diz regenerado e não se emociona diante de “Sim eu amo a mensagem da Cruz, ´té morrer eu a vou proclamar...” revela alguém que (1) tem seu coração cristão ainda muito interesseiro para com bênçãos materiais de Deus ou sem apreciar a maravilha da salvação ou (2) talvez nunca foi realmente convertido.
     Em Espírito e em verdade é a adoração que nos é dada pelo Espírito, por sua (se me permite a licença teológica) revelação das verdades da Revelação escrita de Deus para o nosso entendimento e coração. Se a grandiosidade de um Deus (Grandioso és Tu...) que, mesmo sendo muito maior do que nós (Tu és Soberano...), se importa conosco e chama esse importar-se de “cruz” (Pela cruz me chamou...) levar você a sentir arrepios, estender seus braços e sentir as lágrimas quentes no seu rosto... tudo bem... lágrimas são para aqui mesmo. Porque “lá” não haverá mais lágrimas na adoração.
    Enfim, nosso alvo é o equilíbrio, não os extremos. Uma adoração distante do misticismo e do emocionalismo baratos, mas cheia do místico que vem do Espírito, cheia da razão e da emoção que andam de mãos dadas. Nem carnaval, nem funeral; apenas a santa e reverente festa da qual o nosso Deus é digno. E a qual faz tão bem às nossas almas adoradoras.

Dia 15 de maio de 2016

“O POLVO E O PEIXE ORNAMENTAL”


    Quero começar dizendo que este artigo é “inspirado” por um artigo semelhante de David Harvey, chamado “Pastor, sua prioridade número 1 é a pregação”. Será semelhante em alguns pontos, mas distinto em outros.
Em seu artigo, o título já entrega o teor. Desafiar pastores a seguirem a ordem de Paulo ao jovem pastor Timóteo, “Pregue a Palavra” (2 Tm 4.2). Convido você a ler o texto e ver como a centralidade na e a seriedade com a pregação tem um papel fundamental em conter a epidemia de heresias e desvios doutrinários. Como destaca Harvey, o texto de Timóteo, junto com o de Tito, trata mais do que o pastor deve ser, mas também dá especial destaque ao que ele deve fazer; ou seja, dedicado ao ministério da Palavra.
    Mas, é o outro lado? E o lado da igreja? Este é o foco deste artigo.
    Em Atos 6, um problema novo surge na novata igreja cristã. As viúvas de origem helênica estavam sendo “esquecidas na distribuição diária de alimento” (v.1). A questão é levada diante dos Doze (apóstolos). Eles ainda ocupavam a posição pastoral na igreja que iniciava. A questão era séria e real e precisava de uma resposta. E eles a deram. A primeira parte da resposta dos Doze foi “Não é certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas”. Eles estabeleceram limites. Eles declararam qual era a sua função no corpo. Inclusive, determinaram não ser certo que o ministério da Palavra fosse negligenciado. Termo forte, mas correto. Não tê-lo como algo principal é negligência por parte do pastor. Desviar dele para outras atividades é negligência, mesmo que sejam atividades importantes e, muitas vezes, inadiáveis. 
    A segunda parte da resposta dos Doze contem um solução participativa interna, “escolham entre vocês”. Mesmo que (provavelmente) não houvesse outras igrejas locais ainda, o problema é local e interno; nada mais lógico que o corpo local seja responsável em suprir a mão-de-obra para resolver esta questão. Não deveriam trazer uma solução externa, nem devolver o problema para os Doze. A congregação deveria olhar para dentro de si mesmo, para os que estão nas fileiras com eles, e escolher a partir dos requisitos colocados pelos apóstolos. Esta escolha é a terceira parte da resposta dos Doze.
    Eles disseram, “sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito e de sabedoria”. E, surgem, então, os diáconos (lit. servos). Perceba que não se falou em proeminência alguma. Nada de importância na sociedade. Nem de destaque por ser mais influente. Inclusive, nem se trata de uma democracia absoluta, pois não se poderia escolher qualquer pessoa. Não há mulheres nos quesitos  e não são cristãos imaturos ou carnais. Enquanto a congregação olhava ao redor, as palavras dos apóstolos ecoavam em suas mentes. E, certamente, nomes e mais nomes eram “cortados”. Mas, no final, uma lista surgiu (v.5).
    A próxima parte da resposta dos Doze nos ensina sobre delegação, “Passaremos a eles essa tarefa”. Os Doze estreitaram os requisitos para que eles pudessem confiar que aqueles homens eram dignos de confiança. Certamente, haveria alguma supervisão e prestação de contas. Mas, a tarefa estava com os Sete e era responsabilidade deles de agora em diante. Se era para tirar peso dos Doze, que fosse pra valer.
    Chegando ao final da resposta dos Doze, lemos, “e nos dedicaremos à oração e ao ministério da palavra”. Como um sanduíche, a afirmação do verso 2 faz paralelo com esta do verso 4. De novo e de forma direta, os Doze deixam clara a centralidade do seu ministério e como outras tarefas, mesmo que importantes, seriam nocivas caso eles as priorizassem.
    Em uma quantidade absurda de igrejas, pastores são malabaristas multi-tarefa. Vivem o famoso “bate escanteio, cabeceia e defende”. A igreja se acostumou a achar uma bênção o pastor do sopão, o pastor que está sempre com os jovens, o pastor que toda semana visita inúmeros membros, aquele que está nos hospitais e presídios, aquele que “vira” laje e está na limpeza do terreno... enfim... um polvo quase onipresente. Não é raro, encontrarmos obreiros estressados, sobrecarregados e frustrados por tantas demandas.
Enquanto isso, temos membros ociosos, nas linhas laterais e nas arquibancadas. Apenas assistindo, apenas ornamentando. Tal como os peixes ornamentais em um aquário, eles estão lá, tem sua função e ocupam espaço. Mas, será que é para isso que fomos chamados? Ornamentos são importantes, mas raramente resolvem necessidades. Ornamentos são acessórios. Os temos quando o essencial está suprido. E certamente, às vezes, nem podemos tê-los.
    As igrejas precisam compreender que pastores-mestres (Ef 4.11) foram incumbidos em treinar servos e obreiros para a obra do ministério (4.12-14). O trabalho é compartilhado e começa em uma função clara: com os treinadores; mas, não para aí. Os “treinados” precisam entrar em ação. Uma igreja biblicamente saudável sempre conterá duas realidades: pastores que servem ensinando e membros que aprendem para servir, servindo. 
    Neste pensamento, a missão básica da igreja é mantida e preservada. Cristãos são amadurecidos pelo ensino constante da Palavra e pela meditação e prática dela. Eles ganham outros pela pregação do Evangelho. Eles os discipulam. E todos continuam sendo treinados e ensinados pelo pastor (ou pastores), além de outros irmãos dedicados também ao ensino e treinamento.
    Enquanto isso, paralelamente, diversas necessidades materiais, administrativas e similares da Igreja local são atendidas por esse equipe fantástica e maravilhosamente planejada pelo Senhor, chamada Corpo de Cristo. Onde ninguém precisa ser um polvo sobrecarregado, nem precisa ser um mero peixe decorativo.

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